#16 Quando um garoto ama outro garoto
Substituí o medo por flor, o silêncio por carta e construí o meu próprio lugar.
Sempre disseram que o amor era uma coisa universal, mas esqueceram de avisar que, pra alguns garotos, ele também era um segredo.
Eu me apaixonei por um garoto com um sorriso lindo e uma voz baixa. Ele me olhava como quem vê um filme favorito passando de novo, e mesmo assim se surpreende. A gente se conheceu debaixo de um prédio, num daqueles encontros simples, que mudam tudo. Depois veio o cinema, o friozinho na barriga, as cartas escritas à mão, as flores inesperadas, a noite dormida juntos sem pressa. Era bonito. É bonito. Mas só foi possível porque, antes disso, eu aprendi a construir.
Relações não nascem prontas — elas são cultivadas
Com ele, eu não vivi um amor instantâneo, desses que tomam tudo de uma vez. A gente foi construindo. Cada conversa, cada gesto, cada silêncio confortável. Quando me perguntam como sei que é amor, eu não penso em declarações intensas nem em gestos grandiosos. Eu penso no cuidado. Em como ele me ouve. Em como a gente aprendeu a respeitar o tempo um do outro. Em como tudo entre nós é espaço, e não pressão.
Mas pra viver isso, eu precisei aprender que nenhuma relação se sustenta sozinha. A gente precisa cuidar dela como se cuida de uma planta rara: com paciência, constância, escuta. É sobre acolher o outro no que ele é, e não no que a gente espera que ele seja.
Família também é construção
Faz quatro anos que me assumi bissexual. E, desde então, venho criando esse espaço dentro da minha própria casa. Um espaço de conversa, de afeto, de escuta — mesmo quando existia silêncio. Porque ninguém nasce pronto pra acolher o que não conhece. A gente precisa ensinar, mostrar, convidar.
E foi assim que aconteceu: com calma. Sem empurrar, mas também sem me esconder. Hoje, estou na fase de apresentar meu namorado — e digo isso com tranquilidade porque sei que minha família vai recebê-lo bem. Não por sorte, mas porque eu preparei esse caminho. Contei minha história, compartilhei meus sentimentos, trouxe minha verdade com respeito, mas com firmeza.
Construir esse lugar na família não foi um favor. Foi um direito meu. E também foi uma forma de amor por mim mesmo: dizer quem sou, mesmo sem garantias.
Amizade é quem fica quando tudo muda
Com os amigos, também foi uma jornada. Nem todo mundo ficou, e tá tudo bem. Mas quem ficou, ficou sabendo exatamente quem eu sou. Aprendi que relações verdadeiras não são feitas de conveniência. São feitas de presença.
Ter amigos que me ouviram, que me acolheram, que fizeram piada quando eu precisei rir e silêncio quando eu precisei chorar — isso foi essencial pra que eu pudesse viver meu afeto com leveza. Porque ser um garoto que ama outro garoto, muitas vezes, significa andar por lugares onde a gente ainda precisa abrir caminho. E é bom demais quando tem alguém ao seu lado segurando o facão com você.
Amar também é saber o que não repetir
Antes de trazer alguém pra dentro da minha vida, eu precisei olhar pras minhas dores. Pros medos que ainda doíam, pras expectativas que não eram minhas, mas que eu carregava mesmo assim. Porque colocar uma pessoa dentro da nossa vida é lindo, mas também é sério.
Ninguém merece ser jogado num buraco de insegurança disfarçado de romantismo. Amar é também criar conforto. É pensar no outro, e não só em como ele faz a gente se sentir.
Se eu quisesse um amor só pra curar minhas feridas, eu estaria usando alguém — e não amando de verdade. E é por isso que eu cuidei de mim antes de me abrir. Pra não transformar o amor em armadilha. Pra que ele pudesse ser escolha, e não fuga.
Ser quem somos e amar quem queremos
Hoje eu entendo que sexualidade não é rótulo fixo, nem fórmula pronta. É caminho. É pergunta. É descoberta.
Tudo o que envolve sexualidade precisa ser construído com tempo, afeto e autonomia. Não imposto, não arrancado. A gente precisa se ouvir antes de tentar ser entendido. E, quando isso acontece, a gente passa a viver com mais verdade. A se relacionar com mais presença. A amar com mais paz.
Amar outro garoto, nesse mundo, ainda é um ato de coragem. Mas é, também, um gesto de beleza. E se você tiver paciência de construir esse amor, ele não vai ser só bonito — ele vai ser verdadeiro.
Ter o coração no chão
Com ele, meu coração ficou no chão — e isso não é ruim. Pelo contrário: é o melhor lugar onde ele podia estar. Porque estar com ele é estar com os pés firmes, sem precisar correr ou disfarçar. É saber que posso ser eu, inteiro, sem medo de exagerar, de falhar, de sentir demais. É aquela calma que não vem da ausência de caos, mas da certeza de que, mesmo se tudo balançar, tem alguém ali que segura minha mão. E isso é raro. Amar e, ao mesmo tempo, descansar. Estar apaixonado e, ainda assim, sentir paz.
No fim das contas…
A gente se conheceu debaixo de um prédio. Tímidos, um pouco perdidos, mas abertos. Fomos ao cinema. Trocamos cartas. Dormimos juntos. Não como quem se esconde — mas como quem se encontra.
Hoje, somos dois garotos que se amam. Mas, acima de tudo, dois garotos que escolheram se construir antes de se misturar. E talvez isso seja o que mais sustenta a gente.
Se você também está construindo seu espaço — com sua família, seus amigos, seu amor ou consigo mesmo — saiba: isso não te faz atrasado. Te faz consciente. E tudo o que é consciente tem mais chance de durar.
Com carinho,
Café com o Oliver
o processo de um lgbt na maioria das vezes é tão doloroso, e acaba se tornando duas vezes mais doloroso. A aceitação e o pertencimento, muito feliz que você está feliz consigo mesmo Oliver, quando um de nós vence todos vencemos
que texto lindo! me relacionei com as suas palavras em vários momentos. estou numa situação semelhante, em um relacionamento com um garoto pela primeira vez... e saber que tem mais gente por aí que compartilha dos mesmos sentimentos é muito bom